A criação de um bom clima de trabalho é a peça-chave da administração de uma escola. Veja como esse fator pode ser melhorado no dia a dia
EM prol do ENSINO Ao definir os objetivos e os métodos do trabalho, a diretora Maria José acabou com a rivalidade. Foto: Helder Tavares
Esse tipo de situação indica a falta do que os administradores chamam de "clima organizacional". O conceito, que à primeira vista parece estar mais relacionado a empresas, também é imprescindível para a boa gestão escolar, como constatou a pesquisa Práticas Comuns à Gestão Escolar Eficaz, coordenada por Fernando Luiz Abrúcio, cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), a pedido da Fundação Victor Civita (FVC). "As cinco escolas com melhor desempenho investem bastante na criação de um bom clima", destaca. O levantamento, realizado de abril a setembro deste ano, identificou outros três aspectos que fazem a diferença no comando de unidades de ensino (veja quais são eles no quadro abaixo).
Diante do cenário bélico de sua escola, a diretora Maria José não tinha outra opção senão trabalhar pela paz. Sua primeira atitude foi intervir numa questão de infraestrutura: transformou a secretaria - uma sala ampla que era ocupada por apenas três funcionários - na nova sala dos professores. Sentindo que mais mudanças viriam, um dos docentes perguntou de que lado a gestora ficaria. "Ouvi todos e cada um. Não me posicionei contra nem a favor. Disse que estava ali para colaborar e minha sala estaria sempre aberta", conta.
"Ouvi todos e cada um. Não me posicionei contra nem a favor. Disse que estava ali para colaborar e minha sala estaria sempre aberta."
Maria José Baracho, diretora da EE Professor Trajano Mendonça, em Recife
O próximo passo foi propor um sistema de cumprimento de metas por meio do qual o desempenho escolar seria avaliado. No início de cada ano, a diretora passou a apresentar os resultados (índices de aprovação e evasão, notas em avaliações internas e externas etc.) e a estipular os objetivos, detalhando a função de cada integrante no processo. Até hoje, todas as decisões são registradas em documentos para que as ações sejam acompanhadas e redirecionadas ao longo do ano letivo. "É importantíssimo que os dados sobre a escola circulem entre todos", ressalta a especialista em administração escolar Myrtes Alonso, da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar). Reuniões, grupos de trabalho, murais e até sites ou listas de e-mails são instrumentos aos quais os gestores podem recorrer para facilitar o fluxo de informações entre os membros do grupo.Maria José Baracho, diretora da EE Professor Trajano Mendonça, em Recife
Os quatro segredos da gestão eficaz
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Além do bom clima organizacional, a pesquisa Práticas Comuns à Gestão Eficaz destacou mais três fatores que fazem a diferença na gestão escolar. São eles: a qualidade da formação inicial e continuada da equipe gestora, a atenção dada às metas e avaliações externas, bem como a forma pela qual os resultados geram mudanças na prática escolar, e, por fim, a capacidade dos gestores em ter uma visão integradora, coordenando as áreas administrativa, financeira e pedagógica para que ocorram avanços na aprendizagem dos alunos. Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores realizaram 152 entrevistas, além de assistir a 15 reuniões de equipes gestoras, 14 encontros pedagógicos e 15 aulas. Das dez escolas que compuseram a amostra, oito eram municipais e duas estaduais, localizadas em quatro municípios paulistas.
Uma escola boa para trabalhar abre espaço para o debate coletivo. O ideal é que ocorram as tradicionais reuniões de formação continuada, de planejamento pedagógico e com os pais, além daquelas que têm como objetivo a busca de soluções para questões como absenteísmo, indisciplina e dificuldades de aprendizagem. "O entrosamento entre os profissionais reflete a relação que eles têm com a escola. Ao se sentir valorizados, ouvidos e acreditados pela liderança, professores e funcionários tendem a reproduzir essa confiança nos vínculos pessoais estabelecidos no trabalho, criando um bom clima", diz a especialista Myrtes Alonso.
Esses momentos de troca também estimulam o aparecimento de lideranças positivas entre os professores, decisivas para que a equipe de gestão consiga descentralizar tarefas. "O paradigma autoritário está superado. É preciso saber delegar", aconselha Clóvis Roberto dos Santos, especialista em Administração Escolar pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Num primeiro momento, o diretor pode achar que o desafio maior é gerenciar muitas frentes de trabalho. Mais que isso, sua atuação é o cerne para a construção de um ambiente de colaboração baseado no estímulo às responsabilidades individuais, que, somadas, facilitam o cumprimento das metas educacionais estabelecidas pela equipe.
Está mais do que claro que o conceito de clima organizacional envolve uma infindável quantidade de relações humanas. Em qualquer ambiente profissional, o importante é que esses relacionamentos estejam baseados em atitudes éticas para que funcionem em favor da aprendizagem. "A escola é o lugar social no qual as diferenças se manifestam. Os gestores precisam entender que elas são parte do fazer educacional", opina a coordenadora pedagógica Sarah Kopcak, mestre em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Ao exercer uma liderança baseada no diálogo, os diretores garantem espaço para a participação dos professores no aprimoramento do processo de ensino e aprendizagem. Com isso, também evitam que se acumulem conflitos mal resolvidos, os quais podem ocasionar o fracasso dos alunos. No médio e no longo prazo, a construção de um bom ambiente de trabalho leva à conquista de uma cultura escolar consistente. E essa vai além do clima: estabelece os princípios da escola e embasa toda atuação da instituição.
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