Elizabeth Balbachevsky(Professora Associada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP)
ART I G O
Antes de mais nada, eu não me oponho ao sistema de cotas em si, mas
me oponho a vincular esse sistema de cotas à identidade racial do
candidato. Sou francamente favorável à existência de cotas associadas
ao nível de renda da família do estudante.
Realmente não consigo entender por que um jovem branco pobre deve concorrer em desvantagem em relação ao seu colega que tem a pele
mais escura. Do ponto de vista do capital social e de sua herança cultural,
ambos estão enfrentando as mesmas desvantagens: ambos são filhos de famílias sem experiência escolar prévia, ambos tiveram pouco acesso a todasas fontes de cultura, etc etc.... Então, qual a razão para discriminar contra um dos dois jovens simplesmente porque ele tem uma pele mais clara do que o outro? Ou você acredita que não há brancos pobres no Brasil? Se é verdade que a renda está associada a diferentes grupos raciais, essa associação está longe de ser absoluta. E não vejo razão para punir uma pessoa de origem humilde simplesmente porque ela não tem a coloração de pele esperada! Ademais, ao contrário da experiência passada da sociedade americana ou de algumas ex-colônias européias, o sistema de acesso à universidade pública no Brasil é desde há muito tempo cego em relação à origem racial dos candidatos. A sistemática
de seleção de ingresso no sistema americano é (e sempre foi) bastante qualitativa, considerando diversas informações do candidato: histórico escolar, atividades extracurrículares, envolvimento com atividades sociais, desempenho esportivo, e, inclusive, em muitos casos, o resultado de uma entrevista pessoal. Ora,em processos dessa natureza existem amplas oportunidades para que considerações “raciais” acabem sendo incorporadas, discriminando contra determinados grupos étnicos etc.
Numa situação dessas, a proposta de cotas raciais nos anos 1960 tinha sentido e relevância. Mas esse não é ocaso do Brasil: no vestibular, mesmo quando há correção manual das provas, o candidato é um número, nada mais. Num processo assim, em que momento entra a discriminação de base racial propriamente dita? Há, evidentemente, situações de desvantagem decorrentes da baixa qualidade da média do ensino
público, associadas ao baixo nível cultural das famílias. Mas essas desvantagens estão presentes para todaa população de baixa renda. E é aí, nesse indicador, que um sistema de cotas pode ser incorporado sem criar maiores tensões sobre o processo de seleção e para a sociedade em geral, numa política que seria percebida como razoável por todos.
Enfim, uma proposta inteligente!
abraços,
Dê sua opinião!
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