domingo, 13 de outubro de 2013

O que não está na legislação educacional

By JARDINEIRO   Posted at  16:26   políticas públicas No comments

Juca Gil. Foto: Marcos RosaDebate Legal
Juca Gil é professor de Políticas Educacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

Tradicionalmente, aprendemos sobre as leis educacionais analisando seu conteúdo e esmiuçando artigo por artigo. No curto espaço desta coluna, que tem por objetivo debater a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), proponho um exercício diferente: tentar jogar um pouco de luz sobre o que não consta do texto legal (para saber, tintim por tintim, o que determina a Lei 9.394, de 1996, há inúmeros livros e manuais que buscam traduzir os cerca de 100 artigos que a compõem e podem ser facilmente consultados).

Parto do pressuposto de que compreender as lacunas e omissões de determinado dispositivo legal é tão ou mais importante do que decorar alíneas, parágrafos, incisos e artigos. Do meu ponto de vista, uma das maiores lacunas da LDB é a inexistência de um Sistema Nacional de Educação (SNE). O que temos é um modelo que privilegia a chamada autonomia federativa - opção que foi tomada de forma consciente pelos legisladores na época da formulação da lei. Isso quer dizer que temos múltipos sistemas municipais e estaduais (aos quais se soma um federal), todos com relativa capacidade de tomar decisões independentes. Por um lado, esse modelo garante a diversidade e certa liberdade. Mas, por outro, permite que haja certa bagunça em alguns casos, com ações isoladas e muitas vezes desarticuladas, que muita vezes podem até ser conflitantes entre si.

Outra decisão, também coerente com a decisão de não prever um sistema único para a Educação de nosso país, foi apagar dos artigos da LDB a criação de um Fórum Nacional de Educação. Em redações preliminares da lei, ele constava do texto com o seguinte espírito: reunir as mais diversas entidades e organizações do setor educacional numa "instância de consulta e de articulação com a sociedade" atrelada ao SNE. Se existisse hoje, o Fórum provavelmente seria algo parecido com o que a Conferência Nacional de Educação, prevista para ocorrer em abril de 2010, se propõe a realizar: um espaço de interlocução entre os múltiplos agentes do campo educativo.

Além do Sistema e do Fórum Nacional de Educação, há outras semiexclusões ou quase-inclusões - a depender do ponto de vista. Nessa categoria, cito particularmente dois itens: o Conselho Nacional de Educação (CNE) e o chamado "regime de colaboração". O primeiro é apenas mencionado no artigo 9º, parágrafo 1º, da LDB. Foi regulamentado em documentos paralelos e ficou com menos poder do que alguns defendiam. Na opinião desses especialistas, o CNE poderia ter autonomia em relação ao Ministério da Educação. Nessa condição, nada impediria que suas atribuições fossem ampliadas e a composição legitimada socialmente, com os membros eleitos diretamente por entidades do setor e não indicados pelo governo sem que haja critérios claros e conhecidos pela sociedade para essas nomeações. Da mesma forma, suas deliberações poderiam ter um caráter definitivo (hoje, todas elas dependem de homologação do Executivo).

Já o "regime de colaboração" diz respeito às trocas que deveriam acontecer entre estados e municípios para fins educativos. Ele aparece em dois trechos da LDB (no parágrafo 1º do artigo 5º e no artigo 8º), sem a devida explicação sobre seu real significado e a possível aplicação. Essa é uma forma de incluir um item num texto legal e, ao mesmo tempo, deixá-lo completamente de fora. Diz-se que deve existir, mas não se explicita como, onde, quando e quem o tornará realidade. Para que passe a vigorar, precisa ser regulamentado, ou seja, requer a criação de outra lei que explicite seus termos. Infelizmente, essa é uma manobra mais comum do que se pensa no cenário jurídico brasileiro.

O que podemos perceber no caso do tal "regime de colaboração" é que em nada se avançou depois da publicação da LDB. Hoje, o que vemos é cada município e estado, mais a União, colaborando do jeito que acha que deve e com quem quer, numa típica situação de "cada um por si". Para piorar, como o governo federal tem mais poder (verbas para distribuir), ele acaba impondo boa parte das ideias e propostas de "colaboração" com as redes estaduais e municipais.

Espero que, com este artigo, eu tenha ajudado você a compreender que tomar ciência do que a lei não contempla é essencial por apresentar outras realidades, possíveis de serem propostas no futuro, em momentos de reflexão e reavaliação dos textos legais e quando as mudanças em Educação forem necessárias.

Nota sobre o autor

Jardineiro é blogueiro e autor do blog saber pragmatico. É graduado em Pedagogia e Gestão pública (IFPR)e pós-graduado em políticas públicas pelo IFPR.

0 comentários:

Arquivos

Voltar ao topo ↑
Receba artigos


counters
© 2013 Saber pragmático. SP s Azbrasil
Azbrasil templates. PEDAGOGOS DEZ Azbrasil.