Fim Dos Professores
A cena passa-se por volta de 2210, ou seja, dentro de duzentos anos, o que equivale a, apenas, umas 10 gerações.(Em Educação, geração é o nome dado ao conjunto de estudantes que iniciam ou terminam os seus estudos numa mesma data).
Estamos, portanto, em 2210, quando um menino pergunta:
- Vovô, porque é que o mundo está acabando?
O avô responde, calmamente:
- Porque já não existem PROFESSORES, meu anjo.
– Professores? Mas o que é isso? O que fazia um professor?
O velho responde, então, que professores eram homens e mulheres elegantes e dedicados, que se expressavam sempre de maneira muito culta e que, há muitos anos atrás, transmitiam conhecimentos e ensinavam as pessoas a ler, falar, escrever, comportar-se, localizar-se no mundo e na história, entre muitas outras coisas. Principalmente, ensinavam as pessoas a pensar.
– Eles ensinavam tudo isso? Mas eles eram sábios?
– Sim, ensinavam, mas não eram todos sábios. Apenas alguns, os grandes professores, que ensinavam outros professores, e eram amados pelos alunos.
– E como foi que eles desapareceram, vovô?
– Ah, foi tudo parte de um plano secreto e genial, que foi executado, aos poucos, por alguns vilões da sociedade. O vovô não se lembra bem do que surgiu primeiro, mas, sem dúvida, os políticos ajudaram muito.
Eles acabaram com todas as formas de avaliação dos alunos, apenas para mostrar estatísticas de aprovação. Assim, sabendo ou não sabendo alguma coisa, os alunos eram aprovados. Isso liquidou o estímulo para o estudo e apenas os alunos mais interessados conseguiam aprender alguma coisa.
Depois, muitas famílias estimularam a falta de respeito pelos professores, que passaram a ser vistos como empregados dos seus filhos. Estes foram ensinados a dizer:
- Eu estou pagando e você tem que me ensinar, ou
- Para quê estudar se o meu pai não estudou e ganha muito mais do que você?”- ou ainda
- O meu pai dá-me mais de mesada do que você ganha num mês.
Isso quando não iam os próprios pais gritar com os professores nas escolas. Para isso muito ajudou a multiplicação de escolas particulares, as quais, mais interessadas nas mensalidades que na qualidade do ensino, quando recebiam reclamações dos pais, pressionavam os professores, dizendo que eles não estavam conseguindo “gerenciar a relação com o aluno”.
Os professores eram vítimas de violência – física, verbal e moral – que lhes era destinada por pobres e ricos. Transformaram-se em “saco de pancada” de toda a gente. Além disso, qualquer proposta de ensino sério e inovador sempre esbarrava na obsessão dos pais pela a aprovação dos filhos, quer fosse nas Faculdades, nas básicas ou nas secundárias.
- Eu quero saber se isso que vocês estão ensinando vai fazer o meu filho passar de ano - diziam os pais nas reuniões com as escolas.
E assim, praticamente todo o ensino foi orientado para os alunos passarem ano após ano. Lá se foi toda a aprendizagem de conceitos; as discussões de ideias, tudo, enfim, se resumiu ao decorar de fórmulas. Com a Internet, os trabalhos escolares e as fórmulas ficaram acessíveis a todos, e nunca mais ninguém precisou de ir à escola para estudar a sério.
Em seguida, os professores foram desmoralizados. Os seus salários foram gradativamente sendo esquecidos e ninguém mais queria dedicar-se à profissão. Quando alguém criticava a qualidade do ensino, sempre vinha algum tonto dizer que a culpa era do professor.
As pessoas também se tornaram descrentes da educação, pois viam que as pessoas “bem sucedidas” eram políticos e empresários que os financiavam, modelos, jogadores de futebol, artistas de novelas da televisão, sindicalistas – enfim, pessoas sem nenhuma formação especial ou contribuição real para a sociedade.
Ah, mas estava a esquecer-me de um factor chave nessa história toda.
Houve uma época longa chamada ditadura; os militares colocaram os professores “debaixo de olho” e quase acabaram com eles. Foram perseguidos, aposentados, expulsos do país, em nome do combate aos subversivos e à instalação de uma república sindical no país. Eles fracassaram, porque essa tal república sindical se instalou, os tais subversivos tomaram o poder, implantaram uma tal de “educação libertadora” que nunca ninguém soube o que é, e fizeram a aprovação automática dos alunos com apoio dos políticos... Foi o tiro de misericórdia nos professores.
Não sei o que foi pior –se os militares se os tais subversivos.
– Militar? Não conheço essa palavra. O que é um militar, vovô?
– Era, meu filho, era; agora já não é. Também já não existem...
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