segunda-feira, 14 de outubro de 2013

O que é produção de texto?

By JARDINEIRO   Posted at  16:13   Textos No comments

Uma prática social de linguagem imprescindível para a participação no mundo da escrita


Você, professor, provavelmente já precisou produzir diferentes tipos de textos ao longo de sua trajetória profissional, como relatórios, planejamentos, monografias. Os advogados escrevem processos, petições, contratos. Os pesquisadores divulgam suas descobertas por meio de artigos científicos. Os cineastas produzem roteiros de filmes.
Essas são algumas situações profissionais em que é necessário produzir textos, mas elas não as únicas. Em atividades cotidianas, frequentemente, precisamos escrever recados, instruções, e-mails, comentários em redes sociais. A escrita também nos permite registrar nossas experiências em diários, compartilhá-las por meio de cartas e e-mails e ainda expressar nossa subjetividade em poesias, contos, crônicas.
A produção de textos é uma prática social de linguagem. Isso significa que, para participar ativamente da sociedade, como cidadãos da cultura escrita, precisamos ser capazes de escrever textos. Segundo a especialista em ensino da Língua Portuguesa, Kátia Lomba Bräkling, "em várias circunstâncias da vida escrevemos textos, para diferentes interlocutores [para quem?], com distintas finalidades [para quê?], organizados nos mais diversos gêneros [como se escreve], para circular em diferentes espaços sociais [coloquiais, formais etc.]".
Um pouco de teoria
Para dar conta de ajudar seus alunos a escrever com autonomia, é preciso, primeiramente, assumir uma concepção de linguagemclara. Diferentes correntes teóricas definem o que é a linguagem e você precisa ter consciência da concepção que embasa sua prática em sala.
As três concepções de linguagem mais comuns que já nortearam (e, em algumas instituições, ainda norteiam) as práticas de ensino são:
- a linguagem como expressão do pensamento;
- a linguagem como instrumento de comunicação;
- a linguagem como forma de interação.
Cada concepção implica uma prática pedagógica específica e, consequentemente, uma maneira distinta do estudante se relacionar com a língua.
A linguagem como expressão do pensamento Essa concepção tem origem na tradição gramatical grega, vigorou durante toda a Idade Média e só foi superada no início do século 20. Segundo Alba Maria Perfeito, especialista em linguística e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL), essa corrente assume a língua como uma atividade mental. Regido por normas que definem o certo e o errado, o uso da língua é visto como uma consequência de pensá-la corretamente. Desse modo, fala e escreve bem o indivíduo que pensa bem. A heterogeneidade linguística e as variações determinadas pelas diferentes situações de uso são completamente desconsideradas nessa concepção.
Sob essa ótica, o ensino da língua se resume ao ensino das normas gramaticais. Acreditava-se que, para produzir bons textos, bastava ao aluno dominar tais regras. "Essa visão de linguagem permeou o ensino de língua materna no Brasil e foi mantida, praticamente sem grandes mudanças até o final da década de 1960. Segue tendo repercussões atualmente", afirma Alba no artigo Concepções de Linguagem e Análise Linguística: Diagnóstico para Propostas de Intervenção.

A linguagem como instrumento de comunicaçãoA ruptura com a corrente anterior se deu com as pesquisas do linguista e filósofo suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913). No início do século 20, ele focou a organização interna da língua, sua estrutura. A linguagem deixou de ser entendida como expressão do pensamento para ser vista também como um instrumento de comunicação. Nesse modelo, a língua passou a ser considerada um código por meio do qual um emissor transmite uma mensagem a um receptor, independentemente das condições históricas e sociais em que ambos se encontram.
O ensino pautado por essa concepção foca prioritariamente as estruturas - os substantivos, os verbos, os pronomes, etc. - que compõem a língua e seu emprego correto em frases. Predominam os exercícios estruturais mecânicos de seguir modelos, de múltipla escolha e de completar lacunas.

A linguagem como forma de interaçãoCom base nas pesquisas desenvolvidas pelo filósofo russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) - e pelo grupo de intelectuais de formação variada que ficou conhecido como Círculo de Bakhtin -, a linguagem passa ser concebida como um constante processo de interação, mediado pelo diálogo. Segundo essa concepção, a língua só existe em função do uso que locutores (quem fala ou escreve) e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em situações (prosaicas ou formais) de comunicação.
Ao conceber a linguagem como forma de interação, o ensino da língua materna passa a ser o ensino das práticas de linguagem, isto é, dos diferentes usos que se faz da língua em diferentes contextos.
É nessa concepção de linguagem como forma de interação que os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) para Língua Portuguesa no Ensino Fundamental 1 estão fundamentados:

"O estabelecimento de eixos organizadores dos conteúdos de Língua Portuguesa no ensino fundamental parte do pressuposto que a língua se realiza no uso, nas práticas sociais; que os indivíduos se apropriam dos conteúdos, transformando-os em conhecimento próprio, por meio da ação sobre eles; que é importante que o indivíduo possa expandir sua capacidade de uso da língua e adquirir outras que não possui em situações linguisticamente significativas, situações de uso de fato."

A especificidade do trabalho nas séries iniciais 
No 1º e 2º anos, todos devem produzir textos, inclusive os pequenos que não estiverem alfabetizados. Por meio do ditado, seja para os colegas ou para o professor, esses alunos vão se apropriando, ao mesmo tempo, da linguagem escrita e do sistema alfabético. Aqueles que já estiverem alfabetizados precisam ser desafiados a conquistar cada vez mais autonomia, planejando, escrevendo e revisando seus textos de acordo com os propósitos, o gênero e seus potenciais leitores.


Por que ensinar produção de texto?

Dominar a produção de texto de diferentes gêneros possibilita a participação cidadã em esferas formais e informais

Por que ensinar os alunos a produzirem textos? Porque um dos objetivos da escola é formar cidadãos capazes de utilizar a escrita com eficácia e que tenham condições de assumir a palavra, inclusive por escrito, para participar ativamente das diferentes esferas de comunicação existentes na sociedade.
Um pouco de teoria
Conforme justifica a especialista argentina Delia Lerner, o ensino das práticas de linguagem - entre elas a produção de texto - é imprescindível, pois:
"Tradicionalmente, o que se concebe como objeto de ensino é a língua, em particular seus aspectos descritivos e normativos. As práticas de leitura e escrita como tais estiveram praticamente ausentes dos currículos, e os efeitos dessa ausência são evidentes: a reprodução das desigualdades sociais relacionadas com o domínio da leitura e da escrita. Estas continuarão sendo patrimônio exclusivo daqueles que nascem e crescem em meios letrados, até que o sistema educacional tome a decisão de constituir essas práticas sociais em objeto de ensino e de enraizá-las na realidade cotidiana da sala de aula, até que a instituição escolar possa concretizar a responsabilidade de gerar em seu seio, as condições para que todos os alunos se apropriem dessas práticas." (Ler e Escrever na Escola - O Real, o Possível e o Necessário, p. 58)
O especialista José Luiz Fiorin explica que "os seres humanos agem em determinadas esferas de atividades, as da escola, as da igreja, as da política, as das relações de amizade e assim por diante. Essas esferas de atividades implicam a utilização da linguagem na forma de enunciados". Seus alunos precisam, portanto, aprender a produzir textos que circulem nas mais variadas esferas de atividade, que aglutinam gêneros específicos. Na esfera da publicidade, por exemplo, circulam anúncios e slogans. Na esfera acadêmica, temos os artigos científicos, relatórios, teses, dissertações etc.
Ao longo de toda a vida escolar, os alunos vão ter de escrever textos que fazem parte da ação de estudar: resumos, anotações de aula, roteiros de seminário, registros de experimentos científicos etc. Mas, para que se tornem sujeitos ativos na cultura letrada e exerçam plenamente sua cidadania, também será necessário que eles aprendam a escrever textos de outras esferas, desde a cotidiana, da qual fazem parte os bilhetes, as receitas e as listas, passando pela jornalística - composta por notícias, artigos de opinião, entrevistas -, até a literária com poesias, contos, crônicas. E tudo isso só vai acontecer se você ensiná-los a escrever tais textos.
A especificidade do trabalho no 1º e 2º anos
O trabalho de formação de escritores competentes não é simples e deve começar já nos anos iniciais da escolarização. Para isso, é necessário primeiramente avaliar os conhecimentos que os alunos já possuem para, em seguida, planejar situações reais em que a língua escrita seja colocada em prática e faça sentido para os alunos com idade entre 6 e 7 anos.

O que ensinar na produção de texto?

É fundamental mostrar aos alunos o que fazem leitores e escritores competentes


Para ensinar a produzir bons textos, você precisa ensinar aos alunos o que fazem os escritores competentes. É necessário, portanto, ensinar-lhes os comportamentos escritores e leitores.
São comportamentos escritores básicos as ações de:
Planejar o que se pretende escrever;
Textualizar, isto é, escrever o texto propriamente dito;
Revisar o texto escrito.

Todas essas ações só são possíveis quando se tem clareza da função comunicativa do texto que está sendo produzido. Ou seja, para se produzir um bom texto é necessário considerar o gênero textual, os potenciais leitores, os objetivos que se pretende com aquele material escrito (informar, divertir, encantar, etc.). Esses elementos são imprescindíveis para que o aluno consiga planejar, textualizar e revisar o próprio texto.
Ao escrever, os alunos também colocam em práticacomportamentos leitores, como:
Antecipar a informação que segue no texto;
Verificar se o que foi antecipado se confirma ou não;
Reler para compreender melhor;
Saltar trechos incompreensíveis, pouco interessantes ou que já foram lidos.

Esses dois conjuntos contêm os comportamentos mais importantes que escritores e leitores mobilizam individualmente quando lêem ou escrevem. Além dessas ações, é necessário ensinar aos alunos os comportamentos leitores e escritores que são mais sociais, como:
- Submeter uma versão (parcial ou completa) do texto à leitura preliminar de alguns leitores para saber se objetivos definidos no planejamento estão sendo atingidos;
- Comentar ou compartilhar as impressões da leitura de um texto com outras pessoas;
- Recomendar leituras;
- Pedir recomendações de leitura.

As boas propostas de ensino de produção de texto trabalham simultaneamente vários desses comportamentos, priorizando determinados aspectos em momentos específicos. Como afirma Delia Lerner em seu livro Ler e Escrever na Escola - O Real, o Possível e o Necessário, "os comportamentos do leitor e do escritor são conteúdos - e não tarefas, como se poderia acreditar - porque são aspectos do que se espera que os alunos aprendam, porque se fazem presentes na sala de aula precisamente para que os alunos se apropriem deles e possam pô-los em ação no futuro, como praticantes da leitura e da escrita."

Expectativas de aprendizagem
A seguir, apresentamos dois referenciais para que você balize o que sua turma deve saber em relação à produção escrita ao final das séries iniciais do Ensino Fundamental 1. As obras dialogam entre si, trazendo expectativas semelhantes e/ou complementares.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de Língua Portuguesa estabelecem como objetivos para a produção escrita ao final da 2ª série (atual 3º ano) que os estudantes sejam capazes de:
- Produzir textos escritos coesos e coerentes, considerando o leitor e o objeto da mensagem, começando a identificar o gênero e o suporte que melhor atendem à intenção comunicativa;
- Considerar a necessidade das várias versões que a produção do texto escrito requer, empenhando-se em produzi-las com ajuda do professor;
- Escrever textos dos gêneros previstos para o ciclo, utilizando a escrita alfabética e preocupando-se com a forma ortográfica. Os gêneros sugeridos para o trabalho com a linguagem escrita são: receitas, instruções de uso, listas; textos impressos em embalagens, rótulos, calendários; cartas, bilhetes, postais, cartões, convites, diários; quadrinhos, textos de jornais, revistas, e suplementos infantis; anúncios, slogans, cartazes e folhetos; parlendas, canções, poemas, quadrinhas, adivinhas, trava-línguas, piadas; contos (de fadas, de assombração etc.), mitos e lendas populares, folhetos de cordel, fábulas; textos teatrais; relatos históricos, textos de enciclopédia, verbetes de dicionário e textos expositivos de diferentes fontes.

Por sua vez, a proposta curricular da Província de Buenos Aires, na Argentina, estabelece que, ao final do 2º ano, os alunos das séries iniciais sejam progressivamente capazes de:

- Tomar decisões sobre o gênero, o registro, o suporte, a informação que ser incluída e a que será omitida, a ordem de apresentação das informações, etc., de acordo com os propósitos e os destinatários do texto;
- Planejar o texto antes e enquanto está escrevendo;
- Consultar outros materiais de leitura que colaborem para a elaboração do texto;
- Revisar a própria produção enquanto escreve, refazendo diversas versões para elaborar um texto bem escrito e tomando decisões sobre a apresentação final dele.
- Colaborar com a revisão dos textos dos colegas, mostrando diferentes pontos de vista sobre distintos aspectos do tema.
- Receber criticamente as sugestões dos colegas e decidir sobre a incorporação ou não na versão final do próprio texto.


Desde as séries iniciais, o trabalho de produção de texto precisa fazer parte da rotina 


Articuladas com os momentos que priorizam o ensino da leitura, as situações didáticas de produção de texto devem fazer parte da rotina escolar desde as séries iniciais, mesmo que os alunos ainda não escrevam convencionalmente. O domínio do sistema alfabético não é pré-requisito para o trabalho com a linguagem escrita.
No planejamento, além de partir das dificuldades e dos conhecimentos explicitados pelos alunos no diagnóstico inicial, é preciso eleger quais comportamentos escritores e quais gêneros serão priorizados em cada momento, oferecendo aos alunos oportunidades de experimentar a escrita em variadas situações comunicativas.
O critério de diversidade, no entanto, não deve ser confundido com a obrigatoriedade de trabalhar sempre com gêneros inéditos. Os especialistas Scheneuwly e Dolz, no livro Gêneros Orais e Escritos na Escola, propõem uma progressão "em espiral" por meio da qual, o aluno seja desafiado a produzir textos de um mesmo gênero, mas com maior complexidade ao longo dos anos de escolaridade.
Com as turmas de 1º e 2º anos, é imprescindível que você eleja os conteúdos que serão priorizados em cada situação didática, pois, para escritores iniciantes, a coordenação de todos os recursos utilizados pelos escritores experientes é uma tarefa extremamente complexa. Propostas do tipo texto livre" são pouco eficazes porque não delimitam as condições didáticas mínimas - o que escrever, com que propósito, para quais destinatários. Já em atividades de reescrita de histórias conhecidas, por exemplo, o aluno pode se concentrar na linguagem escrita que será empregada no texto, uma vez que não tem que se preocupar com a elaboração de um enredo.
Conheça e compare duas propostas curriculares, de uma instituição privada e de uma rede pública. A primeira é da Secretaria de Educação de Nova Lima, na região metropolitana de Belo Horizonte. A segunda é da Escola Projeto Vida, em São Paulo. Ambas cobrem do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e podem servir de exemplo para distribuir os conteúdos ao longo do ano letivo porque representam um passo além da chamada "normatização descritiva" (a tendência de explicar só as características de cada gênero).

Nota sobre o autor

Jardineiro é blogueiro e autor do blog saber pragmatico. É graduado em Pedagogia e Gestão pública (IFPR)e pós-graduado em políticas públicas pelo IFPR.

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